CLIMAX (III Versão)

Percussion de Brooke Shaden
(Ele liga a TV)

“Após meses de expectativa, um iceberg se descola da Antártida. O bloco de gelo tem uma área maior que a do Distrito Federal. Milhares de pessoas estão se deslocando nesse exato momento para o litoral oeste, na tentativa de avistar e fotografar o gigantesco bloco de gelo.”

(Ela abre a porta e entra)

- Todas essas luzes acesas com esse calor infernal? Não sei como você consegue!
- Querida, você ouviu o noticiário na TV?
- Quantas vezes eu já falei para não deixar o ar-condicionado no máximo? Quer me matar com um choque térmico?
- Nós vamos todos morrer!
- Do jeito que o clima anda nessa casa, eu não duvido mesmo.
- Meu amor, o que faremos?
- Olha, não seria nada mau se a gente se mudasse, saísse desse lugar.  
- Mas o problema não é geográfico, é climático! Uma questão de vida ou morte.
- Querido, é geográfico sim. Agora você até parece a minha cabeleireira. Sabia que até ela acredita em vida após a morte? É como eu digo: quem merece, sempre vai para um lugar melhor.
- Não temos para onde ir.  
- Homem de pouca fé.
- Você disse Noé?
- Esse sim foi um homem de fé!
- Não há escapatória! Ai de nós!
- Minha cabeleireira disse que minhas unhas e cabelos continuarão crescendo mesmo quando o meu corpo estiver mortinho da silva!
- Vamos todos nos afogar!
- Não, o corpo morre e seca, mas a alma pode viver por bilhões de anos. Não é fantástico?
- Do que adiantou viver economizando luz, água, não comer carne vermelha, reciclar o lixo, plantar arvores, andar de bicicleta, fazer regime? Olha como estou!
- Não é a barriga que cresce, são as unhas e o cabelo! Quer desligar essa TV, por favor?
- Tantos anos de privações e preocupações. Tudo isso para nada!
- Eu quero pelo menos morrer magra. Bem magrinha!
- Eu não quero me afogar. Vamos inchar até explodir!
- Não me venha com suas ladainhas! Agora eu sei porque só ficam as mãos e os cabelos à mostra no caixão.
- Querida, vamos alargar a porta da sala, não quero que os vizinhos vejam o caixão sair pela cozinha! Dá azar!
- O que você quer dizer com ‘‘alargar a porta’’?
- Não é o que você está pensando, meu amor!
- Então quem é que precisa de uma porta dupla de garagem para passar? Responde homem de Deus!
- Fala baixo, os vizinhos vão nos ouvir! Se é que já não foram todos para as montanhas!
- Olha aqui, se até os vizinhos já se cansaram das suas sandices, não sou eu que vou ficar aqui secando gelo!
- Querida, eu só disse para alargarmos a porta da sala. Pensando bem, o melhor é fechar todas as portas e janelas, assim a água não entrará! Mas por onde o féretro sairá? Ai de nós!
- Féretro? Quem é esse tal de féretro? Explique-se homem!
- Um caixão mortuário, meu amor.
- Está sabendo de algo que eu não sei? É isso?
- Você não vai morrer. Nós todos...
- Ah, então agora acredita em vida após a morte?
- Amorzinho, você não ouviu o noticiário na TV?
- Estou cansada dessa TV! Vou sair para tomar um ar!
- Fica! Não vai lá fora. Já está tudo confirmado.
- Se eu não vou morrer, não vejo problema algum em seu caixão sair pela porta da cozinha!

(Ela abre a porta. O ar condicionado pifa. O clima esquenta. Ela sai e bate a porta)

Comentários

Anônimo disse…
Vi seu conto em um outro blog e gostei muito. Li a primeira versão e achei muito divertido! Parabéns! Carlos Martins