![]() |
Ahren Hertel |
Constantemente
tinha pensamentos quase involuntários sobre a morte: morrer afogada
ou desnutrida? - Pensava. Afogada precisaria de um rio. Sim, de um
rio, queria uma morte cinematográfica. Porém, morrer desnutrida,
bem magrinha, tinha lá suas vantagens – pois poderia ser enterrada
no seu velho vestido branco de tamanho P. De acordo com seus
experimentos, concluiu que quanto mais aprendia mais ela crescia.
Seria maravilhoso poder se despir de todo conhecimento só para caber
naquela delicada peça de roupa ainda tão macia. Assistindo TV
entendeu que precisava ser salva. Morrer lhe parecia muito
trabalhoso. Mas como poderia salvar a sua alma?
-
Onde mora a minha alma? – se perguntava. Por um momento cogitou que
era na barriga. Com a TV aprendeu que só os justos tinham uma alma
leve.
-
O que será de mim com uma barriga desse tamanho? - Ficou aflita em
pensar o quão triste poderia ser o seu julgamento, o seu fim.
E
foi na primavera, em um lindo dia de sol, que ela teve a fantástica
ideia de mudar de vida. Cadastrou-se em um site de casamento
coletivo. Na ficha de inscrição preencheu todos os dados
minuciosamente. No item “o que procura” não exitou em responder:
a SALVAÇÃO.
Após
enviar o formulário só lhe restou esperar. Deitada, nua com o seu
velho vestido branco sobre o corpo, ingeriu os últimos comprimidos
que lhe pareciam colorir a vida. O dia seguinte chegou – e ela não
acordou. Dormiu. Dormiu até a sua alma se tornar leve. E somente no
verão ela acordou - vestida de branco e sem nenhuma barriga. Aos pés
da cama encontrou o padre e logo percebeu um homem que lhe segurava a
mão direita. Foi então que identificou naquela mão, o dedo, um
enorme dedo, que agora não lhe furava o olho, mas que lhe acariciava
os lábios. Sem pensar no pecado, na alma ou na sua barriga, ela
gritou sim, sim! Fechou os olhos e repetiu para ela mesma: sim, sim,
sim.... Até que chegou o outono:
-
Meu amor - dizia o marido - precisamos estocar comida, logo seremos
uma família bem grande.
Ela
então ganhou uma geladeira. Não poderia existir felicidade maior.
-
Que linda meu amor, mas não é Frost Free? – Indagou desconfiada.
-
Não precisa, estarei sempre aqui para descongelá-la pra você –
garantiu o marido.
Realmente
não poderia existir felicidade maior do que aquela: uma geladeira e
um marido para descongelá-la. Seu futuro estava garantido.
E
foi no início do inverno que os corações congelaram. Ele partiu e
ela chorou. Chorou não sabe se por causa da solidão ou por ter que
descongelar periodicamente a bendita geladeira.
-
Ah, se meu coração fosse FROST FREE! – pensava.
Ainda
com seu velho vestido branco, que deixou de ser macio, ela conheceu o
vazio, um profundo vazio - e dessa vez aprendeu que não era fome.
Como pode ser enganada com a promessa de que ele descongelaria para
sempre a sua geladeira. Sem pensar duas vezes comeu todos os restos
congelados de saudade e esperança. E naquele mesmo inverno, em uma
linda noite estrelada, ela tocou a sua enorme barriga e percebeu que
ali não morava o pecado, muito menos a sua alma, mas sim a
realização de um sonho: o início de uma nova vida.
Comentários
Saudações!
feliz em encontrar você,
pois quando leio um texto como o seu
sinto que além de muitos blogs vazios que muitas vezes encontro.
Ainda existe pessoas como você.
Um feliz final de semana beijos.
Evanir
Retribuindo a visita e o carinho do comentário em meu blog Irmão das Estrelas...
Espiei alguns textos...venho com mais calma...mas adorei esse...
Concordo com La Vanu...melhor seria se sobrevivessemos sem geladeiras, sem nada a "conservar"....tudo mutável e quente...nada morno também...a vida deve ser vivida assim, plena..
Um forte abraço...saudades de sua terra...andei por aí, muito, há anos atrás...morava em Floripa...adoro a região...
Deus te abençoe