UM MENINO E UM MONTEM DE GENTE


Quando o menino nasceu, ele já era grande.
Quando o menino abriu os olhos, ele já era menino.
De presente, se é assim que se pode chamar, ele ganhou duas pessoas. Que por sinal, também já eram bem grandes. Grandes do tamanho de um abraço. Mas um abraço daqueles que o menino só tinha visto.
E não é que as duas pessoas até pareciam com ele!
A essas alturas, era difícil não ficar feliz, ou quase feliz. Por que?
Porque com o presente que era até parecidinho com o menino, poderia agora experimentar o tamanho do abraço.
Mas havia algo estranho.
Ele já sabia alguns segredos que “presentes” como aqueles não conheciam, por isso logo percebeu pelas suas continhas que faziam sons diferentes. Sons dos quais nunca tinha ouvido, ou pelo menos não se lembrava, porque realmente eram diferentes!
Sim, diferente. Ou pelo menos foi o que pareceu aos ouvidos do menino.
Eu já disse que ele era grande?
Pois bem, quando ele ganhou o par de pessoas que eram maiores do que ele, bem maiores, ele até que ficou pequenininho, quase do tamanho de um grão de feijão, ou pelo menos foi quase isso que sentiu diante daqueles “duopares” de olhos que observavam atentos todos os seus movimentos; que ele acreditava que não eram desengonçados.
O menino que já não era bobo e nem nada, ficou meio sem jeito, quase intimidado, pensou até em chorar, mas era menino. E daí? Onde está escrito que meninos não choram? Então, mesmo assim, ele não chorou, e ele já sabia o que eram lágrimas. Sabia até que gosto tinha. Quase sempre eram quentes, mesmo quando fazia frio.
Eu já disse que ele abriu os olhos?
Pois bem, quando o menino abriu os olhos outra vez, ele já não estava mais onde estava. Foi difícil, mas ele estava começando a entender que tudo seria diferente, até mesmo que o diferente era difícil.
O menino nunca gostou de ficar sozinho, e nesse dia, nesse novo lugar que não era aquele outro lugar, ele chorou.
Se chorar fizesse surgir por entre as lágrimas o “duopares” de olhos, até que não seria nada mal. E foi assim. Eles apareceram.
Apareceram como do nada. Do nada que dali para frente seria o quase tudo, ou tudo, quando assim querem os meninos.
Mas não é que aquele par parecido de pessoas diferentes falavam diferente mesmo!
O menino, que já tinha aberto os olhos, e que já tinha nascido grande, e que tinha ganhado um par de pessoas, e que não era bobo e nem nada, logo percebeu que se tratava realmente de outro lugar que não era aquele em que estava.
- Der Vati ist auch hier! Disse uma voz grave que quase fez o menino lembrar onde não estava.
- La mère est ici! Disse uma voz doce que fez o menino lembrar onde estava.
Se ele não fosse menino, certamente choraria como fazem as meninas. Choraria de espanto ou de alegria, não se sabe. Mas sendo um menino grande, que só às vezes sentia-se do tamanho de um grão de feijão, resolveu então poupar o pouco de água que tinha guardado no canto esquerdo do olho. Só a usaria em últimos casos.
Ele sabia que o canto esquerdo do olho tem segredos que só conhecem os meninos maiores do que qualquer grão.
E com os olhos bem abertos, bem arregalados, quase do tamanho de oito formigas de mãos dadas, ele ouviu coisas das quais pensava não se lembrar e viu que ali poderia chorar até secar toda a água do canto esquerdo do olho, porque não faria diferença. Diferença porque agora era diferente. Ele estava. Estava em casa.
Bem, lá daquele outro lugar o qual ele já estava esquecendo, era preciso economizar as lágrimas. Se gastasse muito, ou tudo, que dá quase no mesmo, acabaria talvez lá não encontrando por entre os olhos molhados aquele par diferente de pessoas parecidas.
E não é que o menino já estava até achando graça em ouvir os presentes:
- We will speak in the same language, if not the boy will be crazy! Disse aquela
voz doce e agudinha. No fim das contas, o menino definitivamente estava gostando de ouvir.
O menino que já não era nada viu que esses sons ali eram tudo.
Não sei se foi incrível ou fantástico, ou se foi... Bem, o menino soube que naquelas vozes estava o seu lugar. O lugar que nem o para sempre poderia fazer esquecer.
O menino já estava se sentindo maior, apesar da cola do gato não ter dado ainda uma volta completa naquele monte de números colocados em círculo. Eu não disse que o menino não era bobo e nem nada! Ele podia não entender o que falavam, mas de números ele conhecia. Ah se conhecia! Conhecia todos. Todos eles. Todos mesmo. Do 1 até o 12. E ele ficou feliz. Muito feliz. E isso só do um até o doze!
Feliz, fechou os olhos e dormiu.
Quando o menino abriu os olhos, ele já era menino. Claro que ele já era um menino. Porque tinha nascido e já era grande. E não vale falar mais de grãos! Ele era grande e pronto!
Bem, o menino maiorzinho do que um graozão de feijão (e não vale rir dele), e que já tinha aberto os olhos, ficou feliz em ouvir tudo aquilo. Afinal de contas, o par de pessoas era como um monte de gente. Gente como grãos de feijão, formigas, gatos, vizinhos, amigos, pais, família... Um monte de gente que não deixa a gente.
Mesmo o gato girando a cola sem parar, o menino sabia que do um ao doze é o suficiente para se contar para sempre.
Eu já disse como nasceu o menino?
Bem, o importante é que de presente ele ganhou duas pessoas e que do 1 ao 12 para sempre foi o mesmo que um monte de gente.



Comentários

Anônimo disse…
Muito obrigado pelo comentário!
Anônimo disse…
beijinhos ... ESTOU SEMPRE COM VOCê ... pp
Anônimo disse…
entendi ´pouca coisa, mas naum sei porq fikei feliz enqto lia