- Onde você está Maria?
- Sentada!
- Sentada?
- É, no ônibus!
- E onde você está?
- Na estrada!
- Sim, mas em que lugar?
- Não sei, tudo passa velozmente!
- Pergunta para alguém Maria!
- Não tem ninguém. Estou tonta!
- E o motorista? Pergunta para o motorista!
- Ele trancou a porta, não dá!
- Faz tempo que você está viajando Maria?
- Não sei, eu dormi!
- Que horas você saiu? Olha no relógio!
- Eu não tenho!
- Olha aqui Maria, quando você chegar me procura! Estou te esperando.
Dias depois...
- Maria, por onde você andou? Até a polícia já está atrás de você!
- Eu me perdi!
- Mas como? O ônibus era direto!
- Acho que entrei no ônibus errado!
- E por que deixou de atender o celular que eu te mandei de presente?
- Acabou a bateria, então eu joguei fora!
- Maria, você precisa ser mais atenta! Onde está sua bolsa? Perdeu também?
- Eu não tenho!
- Um mulher sem bolsa? Onde já se viu isso Maria! Vamos pra casa, lá a gente conversa.
No táxi...
- O que foi Maria?
- Para onde estamos indo?
- Para casa!
- Está me mandando embora?
- Não Maria, estamos indo para minha casa! (...) Toma, é para você não se atrasar mais!
- O que é isso?
- É um relógio mulher, nunca viu? De que mundo você veio?
- (silêncio).
- Desculpa Maria. (...) Pode deixar que eu guardo o seu novo relógio aqui.
- Você tem uma linda bolsa! – Sorriu.
Em casa...
- Me conta, roubaram suas coisas?
- (silêncio).
- Eu não gosto desse seu silêncio Maria! (...) Já sei, vamos comprar um vestido novinho para você! Gosta de azul Maria? Olha como esse cai bem!
- É um espelho?
- É claro que é um espelho Maria! (...) E então, gostou do vestido ou não?
- Você é muito bonita!
- Vem aqui na frente do espelho Maria. Olha bem! Somos idênticas, não é?
- (silêncio).
- Gêmeas, é assim que se diz! Já viu duas pessoas tão idênticas quanto nós Maria?
- Eu não me lembro de ter visto um espelho antes!
- Não seja boba Maria. Olha pra mim, estou aqui para te ajudar!
- Mas foi você quem pediu minha ajuda.
- Graças a Fundação nos encontramos! Você fará parte de mim agora! Não é Maria?
- É lindo o espelho!
No hospital...
- Maria, se você quiser pode desistir!
- (silêncio).
- O que foi? O que está fazendo mulher?
- Aqui tem espelho?
- Não seja boba Maria, do que você está falando?
- Eu quero te mostrar uma coisa que eu descobri!
- Maria, fica! Você já é parte de mim!
- Então posso segurar a sua bolsa?
- Quando tudo isso terminar eu compro uma bolsa pra você! E um espelho. E até um vestido novinho!
- (silêncio).
- O que foi Maria? Está com medo?
- Como vai ser?
- Será como... dormir! Isso. Será como dormir.
- Então vai ser como sonhar?
- Sonhar? (...) Não sei Maria! Não sei!
Na sala de recuperação...
- Olha pra mim! Bem aqui, está vendo? Acho que agora não somos mais idênticas!
- Não diga isso Maria!
- Para onde vamos depois daqui?
Silêncio. E pela primeira vez, Maria, com acento no A, chorou.
Publicado em: PEREIRA, Juliana Cristina [org.]. Des-loucar-se. 1 ed. Campinas, São Paulo: BBCL/UNICAMP, 2018. p. 25-28. Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wp-content/uploads/2016/10/desloucarse-ebook-livro-2.pdf
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