QUANDO DEZEMBRO VIER

Loreto Salinas (La niña sin sombra)
E ela acordou. De olhos bem abertos viu um longo corredor. Sem perder tempo, percorreu descalça sobre o tapete macio e viu inúmeros retratos de família, da qual ela fazia parte. Ao final do corredor se deparou com o café da manhã servido por aquela que parecia ser a sua mãe. E ela ouviu o primeiro “bom dia” da sua vida.. Elas se olharam demoradamente - como mães e filhas sabem fazer!  Em silêncio e completa cumplicidade elas compartilharam o melhor café da manhã. E diante da mesa repleta de pães, geleias e ternura, ela adormeceu.  
Sem saber quanto tempo depois, acordou – dessa vez cercada de amigas – amigas das quais não lembrava os nomes. Olhou em volta, enquanto todas dormiam e não entendeu nada. Era estranho sentir-se bem em um lugar desconhecido como aquele. Viu algumas bonecas de pano sobre o sofá, cartazes de filmes antigos na parede e muitos livros espalhado pelo chão. Ela sentiu algo novo: o desejo de mudar o mundo. No entanto, entendeu que era ela quem precisava ser diferente! Inevitavelmente se despediu, mais uma vez, daquele momento único – contra a sua vontade ela dormiu. Se pudesse escolher, certamente não teria acordado naquela manhã chuvosa. Quando se deu conta já estava vestida em roupas escuras – que lhes serviram perfeitamente. Sim, eram suas aquelas roupas! E aquele dia, aquele único dia, também era seu – um dia de despedida. Até as flores que levava em suas mãos também estavam mortas! No meio de todas aquelas pessoas, pela primeira vez, ela só desejava uma coisa: dormir! Ela se fez como o silêncio durante aquele longo e triste dia. Procurou de várias maneiras adormecer ali mesmo sobre a grama e a terra molhada. Quanto mais desejava deixar de ser, mais ela era, mais ela sentia tudo intensamente. E por uma eternidade não se cansou ou adormeceu. Estava presa naquele dia que se tornou a sua incomensurável noite.
De seu cansaço surgiu outra manhã qualquer. Inexplicavelmente ela foi acordada com um leve beijo nos olhos. Mesmo sem lembrar-se onde estava ou com quem estava, não sentiu medo. Sentiu-se estranhamente amada e protegida. Eles não conversaram, apenas se olharam demoradamente. Ela tocou delicadamente aqueles olhos que a protegiam e viu refletido neles o seu próprio destino. E num piscar de olhos a noite chegou. Quis olhar mais demoradamente, sentir mais intensamente! Porém, não teve forças para se manter por mais tempo acordada. Desejou que aquele momento durasse para sempre. Com os olhos envoltos em lágrimas, não de tristeza, mas já de uma profunda saudade, adormeceu. Rápido como o bater de azas de um beija-flor, a noite chegou e encontrou-a dormindo – dormindo outro sono sem sonho. E no tempo de que cada coisa leva para acontecer, ela acordou! Com os olhos bem abertos viu um quarto esverdeado com um grande relógio, ouviu também o som intermitente de uma máquina – concluiu que era de onde saia o ar que a alimentava! Estava imóvel, compenetrada na sua condição, que em vão mais uma vez tentava entender. Sentia muitas dores - uma após a outra. O tempo lhe parecia querer conversar, tomar um chá, contar demoradamente suas peripécias! Mas não havia nenhuma lembrança que pudesse confortá-la. De olhos fixos no relógio contou cada minuto, cada hora, na esperança que sua agonia tivesse fim. E o tempo ficou ali, lhe segurando a mão, imóvel! Fechou os olhos não sabe se durante horas, dias ou anos... Quando ela finalmente se esqueceu de si mesma, adormeceu profundamente! E não sonhou!

O sonho era a sua própria vida. Os bons e os ruins. Ela jamais soube explicar o por que de acordar cada dia em um lugar, em uma nova vida – sem ao menos saber se estava acordada ou dormindo para sempre. E antes mesmo que qualquer resposta fosse encontrada, ela acordou...

Comentários

Allisson disse…
ótimo conto

já pensou se isso acontecesse com a gente?

Com meus filhos, no trabalho, escrevendo poesia, assistindo futebol, lendo a bíblia...

às vezes penso que sou uma pessoas que vive várias vidas ou dorme aqui e acorda ali.

ótima história
Emerson,


Muito bom voltar aqui é como ver retratos nos quais nos reconhecemos!

Um abraço, Marluce