Ela
entrou no hospital com uma leve dor no peito e saiu surpresa com a
pequena semente que havia sido encontrada na sua medula. Em casa,
abriu o antigo baú e pegou sua velha máquina fotográfica com as
lentes já mofadas. Com o pouco dinheiro que lhe restava comprou um
peixinho vermelho e o chamou de Esperança. Ela também arrancou as
cortinas cinza e convidou o sol para morar na sua casa. Na semana
seguinte, inevitavelmente, voltou ao hospital, dessa vez para ser
melhor retratada. Deitada, de olhos fechados, naquele estranho
aparelho, viu a vida passar diante dos seus olhos, como um filme em
preto e branco. Ainda de olhos bem fechado, ela desejou; desejou que
seu retrato saísse bem bonito. E assim foi feito. Fotografaram-lhe a
alma. Realmente o retrato era bem bonito. Ela nunca tinha visto
tantas cores. A pequena sementinha havia se transformado em um lindo
jardim. Com os olhos cheios d’água, confessou aos médicos nunca
ter visto algo tão bonito. E diante do retrato, do seu retrato, ela
se reconheceu como a pessoa mais feliz do mundo – afinal, nem todos
tinham dentro de si um jardim raro como aquele. Para não esquecer
aquele momento, tirou de dentro da bolsa a velha máquina e
fotografou a primeira coisa que viu: a sua janela com um pequeno
ponto preto próximo ao vidro. A partir daquele dia, além de
alimentar Esperança, passou a regar todos os dias as suas flores com
fortes doses de uma espécie de vitamina. No início, ficava tonta
com o cheiro e até lhe escapava da boca um pouco de medo. Nesses
dias nem o sol aparecia e ela ficava dentro da sua própria casa
sonhando; sonhando em um dia conhecer o mar. Sua casa era um lugar
adorável, onde jamais se sentia triste ou sozinha. Mas com a noite,
chegava também a terrível limitação da sua existência. As lindas
flores precisavam ser adubadas todos os dias. Quando ela se sentia
cansada, deitava e lia pequenas estórias para alegrar Esperança.
Acordava todos os dias cedo e saia para fotografar. Mesmo com a
máquina com mofo nas lentes, ela não desanimava: fotografava tudo o
que lhe trazia felicidade. Em uma tarde quente de domingo, fotografou
uma bola azul sobre o telhado, uma boneca de pano sobre o lindo
gramado verde e uma senhorinha, sorridente, em uma pequena casa de
madeira desbotada. Esperou meses, até conseguir dinheiro suficiente
para revelar suas novas fotos – teve que para isso deixar de
alimentar Esperança e também de comprar as vitaminas para suas
flores. Com as fotos reveladas nas mãos, entrou felicíssima em casa
para abrir o envelope juntamente com o peixinho Esperança. Seu
entusiasmo logo se converteu em um grande retrato escuro. Esperança
havia saltado da redoma de vidro e caído sobre a mesinha com os
grandes olhos voltados para a janela. Provavelmente nem sentiu o ar
lhe faltar, levando-o a morte. Ela, outra vez com os olhos cheios
d’água, não se deixou abater – usou cada lágrima para regar
seu jardim. Com as fotos nas mãos, relembrou em voz alta cada fato
registrado, em vão, para Esperança. Entre as fotos, algumas
desfocadas e outras com lindos efeitos causados pelo mofo, conseguiu
identificar o pequeno ponto preto na janela – para o qual Esperança
olhava – era um pequeno casulo. Com o calor que havia feito,
certamente o casulo havia se transformado em uma linda borboleta.
Deduziu que Esperança havia desejado o mesmo – libertar-se da sua
pequena redoma de vidro, para alçar voos mais altos. Comovida, ainda
reconheceu na última foto, através dos efeitos causados pelo mofo,
o seu próprio retrato – a velha senhorinha, nos seus mais de cem
anos, sorridente na janela. Durante aquela mesma tarde ela enterrou
Esperança – era tão pequeno fora da água!
-
Um peixinho tão pequeno e tão corajoso! – Pensou.
Na
manhã seguinte, ela fez as suas malas, abriu a porta e cumprimentou
o sol:
-
Espero que alimente minhas flores, pois tenho uma vida inteira pela
frente – Sorriu e partiu rumo ao mar.
Comentários
Tão inseparáveis...
Lindo!
Beijo grande
vejo neste texto a oportunidade
que existe para nossas escolhas
diante da vida.
ser feliz...ou...
bjbj
Mais uma jóia escrita.
Abraços.
____
pinta "lá po casa", a pinga é da boa e o torresmo é do bom.
Voc~e a cada texto parece entrar na alma humana;
Tantas vezes transformamos nossa vida em um aquario.
Não temos coragem de pular a janela, de ultrapassar limites. de correr em outra direção.
Talvez o medo do que está alem dos nossos olhos, ou de gostar e não querer mais voltar.
Sei lá de qualquer forma. Ficamos prisioneiros de uma vida que nem sempre é a que desejamos pra nós.
A peixinha representa bem aquele que tem ousadia pra seguir adiante, pra ultrapassar seus limites, correr atrás de seus sonhos.
Que bom que ela acordou e foi viver...
Bjos achocolatados
Muito lindo, comovente e muito, muito bem escrito.
Te convido a conhecer meu blog e saborear uma mousse de chocolate comigo.
Beijokas e um gostoso domingo pra vc.
Seguindo...
PC: continuo aqui para ler outros textos.
Passando para lhe desejar um 2011 de muita paz e alegria. Que seja um ano de grandes realizações pra vc!
Abraço :)
Maravilhoso seu espaço...
VISITE, acompanhe e conheça um pouco de meu trabalho...
IMPROVISOS de MAILSON FURTADO...
http://mailsonfurtado.blogspot.com
Grato desde já!