ESSA MOÇA: ALICE

Eram sete, todos os sete com relógio de bolso., até que nasceu o oitavo fora do tempo - um lindo bebezinho sem sapatos e dentes. Chorou tanto ao nascer que se formou um grande lago. Foi presenteada com o nome de Alice, uma menina, para a felicidade da família. Nunca passou fome e não era gorda. Adorava chá com bolo e odiava conselhos e lagartas. Entre os sete, todos barbados, ela tornou-se rainha - a rainha sem dentes de ouro. Aos 13 já tinha muitos sonhos, e ainda poucos dentes. Aos 16 não sabia o quer era beijar. Sonhava em namorar, casar de branco na igreja e ser profundamente amada – como nos livros de terror. Filhos lhe causavam pavor: por onde saiam? Ou por onde entravam? Seria pela boca? Julgava ser o orifício mais nobre! Aos 17, na universidade, leu Marx, Freud e Foucault. Aos 18 teve enxaqueca. Passou a ler Nora Roberts e despertou para a vida:  “Não frequento salões. Com todas aquelas substâncias químicas e cabelos voando de um lado para outro, nunca se sabe o que se pode pegar.” Dizia um dos trechos de seu livro preferido. Talvez, por essas e outras leituras, que aos 20 já era independente e ainda virgem.
- São os meus dentes que afastam os homens ou as coisas que  eu falo? – Pensava a moça.
O mundo não a assustava. Aventurou-se por terras distantes e conheceu muitas pessoas, dezenas, todas mulheres. O mundo tornou-se cor-de-rosa e previsível. Os homens ainda eram um mistério - deles só conhecia a relação com seus amados irmãos. Aos 21 já era pós-graduada e analfabeta em matéria de amor. E por isso, retomou suas antigas leituras. Concluiu que Nora Roberts deveria ser queimada! Ela não sorria, mas nem por isso era sorumbática. Adorava falar difícil. Pelo menos diante das amigas inseparáveis. Eram neuróticas por bebida, baralho e reis de espadas. Odiava as rainhas de copa e cozinha. Encontravam-se todas as sextas no tradicional "Chá das Loucas". Definitivamente estava cansada de calcinha, batom e depilação. Todo mundo sabia da sua admiração por gatos e espelhos. Ninguém imaginava o que ela fazia quando estava sozinha em casa. A única coisa sabida é que não tinha fogão, pois precisava de espaço na sua vida para guardar sapatos e chapéus. Cozinhar definitivamente não a agradava, mas viajar a fascinava. Aprendeu rapidamente que seu país não era das maravilhas. Tornou-se vegetariana não por opção, mas pela distribuição dos dentes na boca. Desbravou mares e montanhas, mas sem amor nada sentia. Quando ficava excitada dirigia ou então corria compulsivamente ao som de Janis Joplin. Pelo menos o esporte lhe dava prazer. Na época de não revelar mais a idade, ela finalmente decidiu reescrever a sua vida - como toda mulher bem sucedida faz. Começou por sua boca. Sim, queria aprender novas palavras – mas para isso era preciso consertar a sua boca. Não, ela não passou a falar menos! Resolveu arrumar os dentes! Foi atraída pela propaganda: “sorria sem dor”. A mudança ocorreu logo após o chá das seis. Nas primeiras semanas se escondeu em tocas de coelho e chorou como Madalena arrependida. Inconformada, pensou em matar o dentista e a sua vulgar assistente. Dr. Carroll foi o único homem que enfiou o dedo na sua boca. E a vida seguiu. Logo conquistou uma dentição de dar inveja. Estava pronta para recomeçar a vida - e mais do que nunca preparada para sorrir. Foi aí que o destino a surpreendeu: se apaixonou perdidamente pelo Dr. Carroll. Seu primeiro sorriso foi tão lindo que a fez brilhar no altar. A partir de então, no espelho, ela não mais se reconheceu. Alice sabia quem era quando se levantava pela manhã, quando era moça, mas isso havia mudado diversas vezes desde então. Ela casou, teve dentes perfeitos, e finalmente, filhos, muitos filhos, e a partir de então mais nenhum motivos para sorrir. 

Comentários

Raquel Stüpp disse…
incrível e rápido!!!
tuas palavras sempre tão densas e engraçadas ao mesmo tempo.

Esse título ainda vai ser uma peça nossa, tu vai ver.

te amo, meu amigo.
Franck disse…
Adorei, como um vídeo-clip, lendo vi imagens, cenários, personagens e as Alices que existem por aí... Meio Caio Feranando de Abreu!
Um bom domingo...com sorrisos...com dentes, ou sem, mas com muita criatividade!
mARINA mONTEIRO disse…
ha ha ha

tu ainda vai ser um tim bourton da vida....algo do tipo....eu me reconheço no que tu escreves...quando teremos tempo para fandangos [o salgadinho, não a dança] cafés e conversas de perder o tempo todo da vida?
podiamos estar somente eu tu e o boi...seria ótimo e sairiam várias peças, das quais, provavelmente só montaríamos uma, porque a gente veio com excesso pra essa vida, e na maioria das vezes, só precisamos tirrar da gente mesmo e jogar pro mundo né?

saudades sempre!

te amo!
mah!
que trajicomédia
ehehheheheh
vida real!!!!
uahuahuahua
então conclusão final
mais vale um vida sem dentes feliz do que dentes bonitos sem felicidades
uahuahuaua acho que as crianças estão me influenciando!! ou será meu dentista?
ai meu deus!!!


eheheheheh

ficou otimo!!!!

bjus
BRUNO disse…
Lindo incrivel e aguardado ... como fico feliz em ver vc escrevendo com tanta intensidade ... parabéns vc é demais ... sou suspeito a falar hehehehehhe ... temos que instigar as Alices de nossa vida a ler esse conto ... BEIJO GRANDE!!!!